Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Principal luta social de 2019, a resistência da maioria dos brasileiros ao projeto de reforma da Previdência acaba de ganhar um reforço indispensável no plano das ideias e argumentos.
Em vez alimentar o debate no plano da luta ideológica, a Associação Nacional dos Participantes dos Fundos de Pensão (Anapar) patrocinou um levantamento da FSB Pesquisa sobre a realidade da população de 210 milhões de brasileiros que será chamada a pagar a conta de toda mudança que vier a ser realizada no sistema de aposentadorias em vigor no país. Foram feitas 2045 entrevistas domiciliares com pessoas com mais de 16 anos, em 152 municípios, entre 8 e 13 de novembro. O resultado é um necessário banho de realidade. Exemplos:
- 63% dos entrevistados dizem ter renda insuficiente para viver;
- 75% declaram ter dívidas. Desses, 33% se consideram muito endividados ou endividados;
- 13% poupam com regularidade; dos que poupam, 69% juntam até R$ 300 por mês;
- 42% dizem não poupar em função de já ter contas a pagar, além de dívidas passadas (8%), gastos com saúde e educação (5%) e outras despesas;
A utilidade do levantamento ANAPAR/FSB é permitir um debate informado sobre o destino que se deve dar a um sistema de aposentadorias que mobiliza R$ 50 bilhões de reais por mês - 600 bilhões por ano, ou 9% do PIB brasileiro.
Sabemos que o projeto em debate na equipe econômica de Jair Bolsonaro/Paulo Guedes tem aspectos inaceitáveis, do ponto de vista social e político. Prevê-se por exemplo uma distribuição seletiva de sacrifícios, que prejudica os cidadãos das camadas socialmente subalternas, e assegura um tratamento privilegiado a determinados setores do Estado, como militares e o judiciário.
A pesquisa Anapar/FSB permite ir ao centro de um outro debate em curso, onde se encontra o núcleo da discussão. Num país com a desigualdade social que se conhece, e uma pobreza que está longe de ter sido vencida, promete-se criar, através de um regime privado, um sistema capaz de assegurar o envelhecimento com dignidade.
Em países de renda melhor distribuída, como o Chile, esse sistema foi implantado sob a ditadura de Augusto Pinochet, com resultados ótimos para o sistema financeiro mas desastroso para os assalariados. Numa lição ao vivo para quem só enxerga problemas na Previdência brasileira, o Chile de não consegue cobertura superior a 50% dos interessados, e a maioria dos beneficiários recebe 2/3 do salário mínimo.
A partir do exame das condições de existência da maioria dos brasileiros e brasileiras, num universo onde o peso das contas do fim do mês assume uma força definitiva, é preciso reconhecer um ponto fundamental. O debate entre dois esquemas diferentes de aposentadoria não envolve alternativas equivalentes, cada uma com suas vantagens ou desvantagens, como se fossem dois modelos de automóvel disponíveis para escolha numa concessionária. Nada disso.
O país no qual mais de 60% da população diz não ter renda suficiente para viver é o mesmo onde apenas 13% consegue poupar com regularidade. Nesse ambiente, imaginar um sistema de aposentadoria com base em capitalizações individuais, como faz a equipe econômica de Jair Bolsonaro/Paulo Guedes, nas quais cada pessoa abre uma espécie de conta-poupança para ser usada no futuro, é um embuste e uma irresponsabilidade.
É fácil demonstrar que, em vez de ser uma mudança para avançar na diminuição da pobreza e da desigualdade, trata-se um projeto de empobrecimento da maioria, que hoje equilibra-se na velhice graças a um sistema de repartição entre gerações, pelos quais o trabalhador de paga a velhice de pais e avós, na convicção de que também irá receber seu quinhão no futuro.
Se a maioria dos brasileiros já não tem recursos para poupar regularmente, cabe pesar um agravante.
O ataque às leis trabalhistas e o avanço geral de uma informalidade selvagem questiona toda hipótese de uma melhora regular na renda disponível no bolso dos assalariados nos próximos anos. Neste horizonte, a reforma da previdência é o lance final de um jogo socialmente perverso, no qual a população pobre passa a ganhar menos e, ao mesmo tempo, é forçada a enfrentar gastos maiores.
O nome disso é pobreza programada.
Alguma dúvida?
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