Por Dra. Andreia Nogueira
Nascida em condições extremas, mas particularmente vistosa e forte, a flor do cacto é também conhecida como a flor do campo.
Todos os cactos florescem, apesar de estarem submetidos a um clima seco, com muita insolação e estarem em um solo formado por cascalho e areia, com rápida escoação da água. Aliás, é o sol forte que viabiliza o nascimento da flor. De fato, o cacto inspira fortaleza e perseverança.
Muito parecida com a flor do cacto é a mulher do campo.
Do campo, campestre, campesina, rural, da roça. Mulher de luta, de fibra, de força, coragem, resistência. Esquecida, distante, desamparada, mulher, mãe, esposa, filha.
As mulheres rurais são de todas as religiões, idades, etnias e raças, vivendo e trabalhando no lar e na agricultura. Estão longe das delegacias, dos centros de ajuda, dos órgãos de defesa das minorias, da grande maioria dos projetos educacionais e profissionalizantes. Suas escolhas, lutas e enfrentamentos encontram aconchego no isolamento social. Mas essas mulheres são fortes. São verdadeiramente resilientes. São como as flores do cacto.
De um modo geral, as mulheres tem dificuldade de reconhecer e buscar os seus direitos. Romper com a cultura patriarcal e patrimonialista ainda não é fácil, e na zona rural parece ainda mais difícil.
É comum nos depararmos com um enfrentamento discreto à violência doméstica sofrida pelas mulheres campestres. Ali, esquecidas por boa parte das políticas públicas, sobrevivem à educação precária e ao desconhecimento da lei, especialmente daquelas que as empoderam e protegem. O acesso à informação é limitado e o medo cercam-nas. A liberdade plena é pouco conhecida.
O isolamento e uma cultura peculiar dá aos agressores mais facilidade para privar as mulheres da liberdade ou separá-las do grupo social que certamente as ajudariam. Assim, persiste no campo a “cultura do susto” que se expressa através de um combate sutil à violência, sem muita profundidade ou consistência. De um modo desenraizado, as mulheres querem, ao menos, assustar os agressores, na tentativa de alcançarem a tão sonhada paz no lar. Elas não conhecem a Lei Maria da Penha, moram muito longe de uma delegacia e realmente não sabem se adianta pedir socorro ou denunciar. Vivem imbuídas numa violência estrutural, pelo não acesso a bens e serviços, e na violência institucional, pois quando finalmente conseguem atravessar uma longa distância física em busca de ajuda, não raro são questionadas sobre o motivo de terem sofrido a agressão, com aquele tom sugestivo de participação na culpa.
As mulheres rurais - flores do campo, ainda fazem parte de um grupo de vítimas que não chegam sequer às estatísticas. Quando aparecem na mídia, é por consequência de suas próprias organizações e de suas lutas, que acabam chamando a atenção pública. A vergonha, o medo e o desconhecimento dos seus direitos acabam diminuindo a sua dignidade.
Manter as mulheres do campo desinformadas sobre os seus direitos e sobre as leis que as defendem de violências como a familiar e doméstica, contribui com uma dominação legalizada.
Contudo, como TODOS os cactos florescem, assim também prosperam as mulheres do campo, pelo que serão retiradas do contexto de anonimato e invisibilidade. Que possamos assumir parte desta missão.
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