terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Antipetismo como ideologia de poder

Por Jeferson Miola, em seu blog:

“Nós não podemos errar. Se nós errarmos, os senhores bem sabem quem poderá voltar. E as pessoas de bem, que foi a maioria que acreditou naquilo que nós pregamos nos últimos anos [racismo, violência, ódio, autoritarismo e preconceitos] não poderá se decepcionar conosco” - Bolsonaro, em 7/1/2019, na posse dos presidentes do BNDES, BB e CEF.

“Se eu errar, o PT volta” - Bolsonaro, em 2/11/2018, em entrevista.

“Nós ainda só somos uma democracia e um país com liberdade graças às Forças Armadas. Nós somos o último obstáculo para o socialismo. Se envergarem a nossa coluna, tristeza virá sobre todos nós e nós não queremos isso” - Bolsonaro, em 25/12/2018, em entrevista.

Ao discursar na cerimônia de transmissão do comando do Exército que Bolsonaro “libertou” o país “das amarras ideológicas”, Villas Bôas não pretendeu anunciar o fim das ideologias.


O general quis se referir ao que, na visão dele, significaria o “fim” especificamente de uma ideologia em particular: a “ideologia inimiga”, cujas “amarras” “sequestraram o livre pensar, embotaram o discernimento e induziram a um pensamento único e nefasto”.

Na vida real, contudo, não existem sinais que confirmem delírios como a supressão do livre pensar e a imposição de pensamento único, que na gramática do Villas Bôas parece ser sinônimo de pensamento marxista ou do chamado “marxismo cultural”.

Os pressupostos do general, empiricamente indemonstráveis porque inexistentes na realidade e na vida, têm como propósito exclusivo, portanto, construir a narrativa oficial de um regime falsamente nascido “livre de amarras ideológicas”.

É o discurso do chefe militar vitorioso que, no momento em que se retira do terreno de guerra uma vez completada a missão de sobrepujar seu inimigo, proclama a vitória da sua ideologia, erguida em cima da ideologia dos “inimigos internos” que foram derrotados na guerra.

[Obs.: Villas Bôas se retira apenas do comando do Exército. Este general que teve notório papel na tutela do STF, ganhou cargo de assessor especial do GSI (sic), a despeito das sérias limitações impostas pela enfermidade degenerativa de que padece].

A des-ideologização como simulacro

Em que pese o simulacro de “neutralidade” e isenção ideológica embutido no pronunciamento do Villas Bôas, seu discurso é radicalmente ideológico – na forma e no conteúdo.

O argumento da des-ideologização é insustentável, pela simples razão de que não existem governos ideologicamente neutros ou livres de ideologias. Nem mesmo governos militares – como o do Bolsonaro – o são.

A retórica de des-ideologização proferida ad nauseam serve, na realidade, de biombo para o doutrinarismo teocrático-militar que orienta as políticas públicas de educação, saúde, assistência social, de ciência, tecnologia etc; a gestão estatal e a política externa de desbragado capachismo ao presidente dos EUA, Donald Trump.

É da natureza de governos ditatoriais pretextarem a des-ideologização para legitimarem o aniquilamento dos seus inimigos internos e a imposição da sua ideologia reacionária, anti-democrática e, sob o comando atual das Forças Armadas, ideologia também entreguista.

A explicação do Onyx Lorenzoni de que a demissão de 320 funcionários foi uma medida para “despetizar” o Estado, é parte desse teatro burlesco, dissociado da realidade. Basta lembrar que o PT foi derrubado do governo federal em 2016, e os cargos comissionados foram todos ocupados pela camarilha que tomou o Planalto de assalto por meio do golpe apoiado pelos militares e oferecido por Bolsonaro como homenagem ao sanguinário torturador coronel Brilhante Ustra.

O fascismo e a ideologia para a construção do poder

No artigo “Um fascismo do século XXI” [ler aqui], Juarez Guimarães/UFMG resgata a reflexão do historiador inglês Roger Griffin, para quem é equivocado catalogar o fascismo como fenômeno datado no período do entre-guerras [1920-1945] e, portanto, congelado no tempo e na história.

Para Griffin, o fascismo é uma tradição política viva, uma opção do próprio capitalismo e que se apresenta como alternativa ao liberalismo e ao socialismo. É uma tradição que não desapareceu com a derrota do Hitler e do Mussolini.

O fascismo é, enfim, uma corrente político-ideológica que subsiste desde após a 2ª guerra e cuja representação pública cresceu sobremaneira na última década do século 20, em especial na Europa, e se expandiu de maneira exponencial nos últimos anos deste século.

Como anota Juarez Guimarães, para Griffin o fascismo é

“uma ideologia de construção de poder que, em meio a uma sociedade em crise, mobiliza todas as energias para operar um renascimento que envolve uma regeneração tanto da cultura política, quanto da cultura social e ética que a sustenta. Um ideal de purgação, limpeza, recomeço e redenção legitimaria o uso da violência para extrair do organismo unitário, nacional e/ou racial, que se almeja construir, as partes não sadias. Auschwitz, símbolo maior do extermínio de seis milhões de judeus pelo nazismo, seria o ‘ânus da Europa’, na linguagem hitleriana documentada”.

Apesar da tirania se tornar a característica marcante no estágio avançado de regimes fascistas, governos fascistas não se originam de golpes de Estado; chegam ao poder pelas vias “normais”, mediante processos eleitorais, como na eleição do Bolsonaro.

Para reforçar sua identidade ideológica, a extrema-direita precisa eleger um inimigo central; um bode expiatório. Na Alemanha dos anos 1930, os inimigos eram os judeus, os ciganos, os gays, os comunistas.

No Brasil, os inimigos são os pobres, os negros, as mulheres, as políticas distributivas, as juventudes, as pessoas LGBTQI+, a esquerda, os socialistas, os progressistas, os democratas – enfim, todo gênero humano e social que pode ser envelopado sob o invólucro de “petista”, independentemente do pertencimento partidário, se do PDT, do PSOL, PCdoB, PSTU, do PT etc [ler aqui O antipetismo e os judeus na Alemanha dos anos 1930].

Enquanto o neoliberalismo des-democratiza a política, ou seja, estreita e limita a soberania popular mediante a dominação do poder econômico e a manipulação da mídia, o fascismo elimina fisicamente, com terror e violência estatal, todas as formas de resistências e oposições populares e democráticas, como bem ensina a experiência histórica.

O antipetismo como ideologia de poder

A burguesia brasileira faz da estigmatização do PT um método para a manutenção da sua hegemonia e poder, mesmo que nos seus governos o PT não tenha posto em xeque os pilares da dominação burguesa. No chamado mensalão, em 2005, o oligarca Jorge Bornhausen, do atual DEM, já defendia, abertamente, a “eliminação dessa raça [dos petistas] pelos próximos 30 anos”.

Bolsonaro ocupou o posto do antipetismo antes ocupado pelo conglomerado PSDB/DEM, e com isso conseguiu se eleger presidente numa eleição ocorrida no marco do Estado de Exceção que impediu a candidatura virtualmente vitoriosa do Lula.

O antipetismo atingiu um nível assombroso de histeria. Enquanto Bolsonaro “ameaçou” seus aliados com o retorno do PT em caso de fracasso do seu governo e Onyx fez a pantomima da “despetização”, o lunático chanceler Ernesto Araújo desencadeou um processo de caça às bruxas para esmagar os melhores e mais experientes diplomatas já formados pelo Estado brasileiro pelo simples fato de terem sido profissionalmente valorizados nos governos passados, e não só os do PT, porque melhor desempenhariam a política externa do país.

Apesar de centrar o ódio, a raiva e o preconceito nominalmente contra o PT, na realidade o foco deste governo militar de extrema-direita são todos os movimentos sociais, organizações civis e partidos políticos de oposição ao regime.

Antipetismo é tão somente o nome genérico da ideologia da extrema-direita para instalar-se no poder para dar continuidade ao golpe de 2016 e executar o mais audacioso projeto anti-povo, anti-nação, anti-soberania e anti-democracia jamais antes conhecido no Brasil.

A luta pela libertação do Lula e a defesa dos militantes petistas, dos militantes do MST, do MTST e dos demais movimentos e organizações sociais, nesta perspectiva, é muito maior que a defesa do maior partido popular do Brasil, o PT, porque se confunde com a defesa da democracia e do Estado de Direito contra o avanço fascista.

É preciso ter consciência de que o antipetismo é o passaporte para o fascismo. A divisão do campo progressista, decorrente de mesquinharias, incompreensões e ressentimentos políticos, carimba o passaporte para a extrema-direita implantar uma ditadura fascista no Brasil.

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