terça-feira, 17 de outubro de 2017

NOTA PÚBLICA SOBRE A PORTARIA 1.129/2017 DO MINISTRO DO TRABALHO, QUE ALTERA O CONCEITO DE TRABALHO ESCRAVO


Nós, dezenas de pesquisadores de universidades de 14 estados brasileiros e duas do exterior, reunidos na X Reunião Científica Trabalho Escravo Contemporâneo e Questões Correlatas, promovida pelo GPTEC, manifestamos nosso extremo repúdio aos termos da Portaria 1.129/17, flagrantemente inconstitucional e ilegal, e nossa grande preocupação com o futuro da política brasileira de combate ao trabalho escravo, construída a duras penas ao longo de décadas.

A pretexto de regulamentar o art. 2-C da Lei 7.998/90, que prevê o pagamento de seguro desemprego aos trabalhadores e trabalhadoras resgatados do trabalho escravo, o ministro do Trabalho do Governo Michel Temer, Ronaldo Nogueira,  criou, por ato administrativo, uma serie de regras não previstas na legislação, que se aplicadas de fato, representarão o fim da política de erradicação do trabalho escravo.

A Portaria 1.129, publicada no Diário Oficial da União de 16 de outubro de 2017, por meio de seu art. 1o, concretiza a pretensão dos escravocratas brasileiros, ao reduzir o conceito de trabalho escravo às situações de restrição de liberdade e de escolta armada, esvaziando o conceito quanto às condições degradantes e à jornada exaustiva, o que representa um salvo-conduto para a prática impune do escravagismo moderno.

Como se não bastasse o esvaziamento do conceito, com o fim de inviabilizar a fiscalização das situações de trabalho análogo ao de escravo,  a Norma do Ministério do Trabalho ainda estabelece que somente será válido para fins de autuação por trabalho análogo ao de escravo o auto de infração em que constar, obrigatoriamente, os seguintes itens:  “a) existência de segurança armada diversa da proteção ao imóvel; b) impedimento de deslocamento do trabalhador; c) servidão por dívida; d) existência de trabalho forçado e involuntário pelo trabalhador. Na prática, essas exigências reduzem a caracterização de trabalho escravo a alguns casos específicos e extremos, em que esses aspectos se acumulam.

Pela Nova Portaria, mesmo que o auditor fiscal consiga ultrapassar as dificuldades criadas pelo Ministério e autuar o empregador escravocrata, ainda assim, não haverá garantia de que a população tomará conhecimento sobre os casos, já que o art. 4º, §1º, determina que o nome do empregador só irá para a Lista Suja, se e somente se, houver determinação expressa do Ministro do Trabalho.

Como garantia de que não mais haverá fiscalização e autuação por trabalho análogo à escravidão, o art. 4º, §3º, I, a Portaria 1.129 ainda determina que o Relatório de Fiscalização só será válido se dele constar Boletim de Ocorrência lavrado por autoridade policial. Essa regra tem o objetivo claro de esvaziar a autoridade do auditor fiscal do trabalho e dificultar a fiscalização do trabalho escravo, condicionando-a à atuação policial.

Esse ataque fulminante à política de combate ao trabalho escravo pelo órgão estatal que deveria preservá-la e fortalece-la surpreendeu e deixou estarrecidos aqueles que há décadas lutam pela erradicação dessa gravíssima violação da dignidade humana. Tudo isso acontece em menos de uma semana de a imprensa nacional noticiar a exoneração do chefe da Divisão de Fiscalização do Trabalho Escravo, para atender interesses da bancada que apoia o Governo no Congresso Nacional.

Rio de Janeiro, 16 de outubro de 2017.

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