quinta-feira, 28 de maio de 2015

A contrareforma política para manter o poder econômico

Um dia para não esquecer na Câmara dos Deputados. Eduardo Cunha rompeu o acordo feito com o Colégio de Líderes de realizar apenas uma votação sobre cada tema da reforma política e, apelando para o que o jornalista Igor Gielow chamou na Folha de S.Paulo de hoje de “contorcionismo regimental”, colocou em votação a doação empresarial “exclusiva a partidos”. Na terça-feira, o plenário havia votado e derrubado a doação “a candidatos e partidos”.
Assim, com a cobertura do PSDB e do DEM, Cunha recolocou em votação uma emenda aglutinativa do deputado Rodrigo Maia (PFL), que ele havia imposto como relator de plenário, depois de destituir a o relator anterior, deputado de seu partido, Marcelo Castro (PMDB), sob protestos da maioria da câmara. O presidente da Câmara fez como bem entendeu mesmo antes disso, quando havia decidido não votar o relatório preparado por Castro na comissão especial instituída por ele mesmo, além de desautorizar Castro em público.
Ontem mesmo deputados do PT e de outros partidos se pronunciaram contra a manobra. “Golpe na Câmara! Rejeitado ontem, o financiamento empresarial foi ressuscitado e aprovado agora com manobra absurda do presidente da Câmara. A proposta foi votada com base numa emenda não regimental. Uma vergonha. Sob uma liderança autoritária que desrespeita acordos e manipula o regimento, a Casa chancelou o financiamento de empresas como regra neste país. Perde a democracia, perde o Brasil, que chegou a acreditar que tinha sido ouvido. ‪#‎ReformaPolítica‬ ‪#‎FinanciamentoEmpresarialNao‬“, escreveu Alessando Molon (PT/RJ em seu Facebook.
Atropelando o regimento interno da Câmara, os acordos feitos publicamente no plenário sobre a pauta de votações e a civilidade política mínima (que desde sua chegada ao Trono não existe mais), o presidente da Casa, que se acha imperador, colocou em votação pela segunda vez o financiamento empresarial de campanha, e dessa vez conseguiu. Um ‘segundo turno’ para reverter o resultado do primeiro, mesmo que isso seja uma aberração institucional, porque já era matéria vencida.”, escreveu o deputado Jean Wyllys, do PSOL, também no Facebook.
O golpe regimental foi acompanhado da pressão e chantagem sobre os pequenos partidos, com a ameaça da aprovação da cláusula de barreira e do fim das coligações proporcionais. Na matéria de Gielow: “Pressionaram aliados do PMDB e de partidos pequenos que, segundo o grupo de Cunha, tinham sofrido assédio do governo por meio de oferta de cargos. Ameaçou-os instalando uma comissão para analisar a proposta que reduz o número de ministérios — logo, de sinecuras. Também foi feito um corpo-a-corpo com deputados, lembrando-os de que campanhas eleitorais custam uma fortuna e de que o financiamento exclusivamente público fora rejeitado na terça.”
Vejam os videos da deputada Maria do Rosário e do deputado Alessandro Molon falando sobre a votação na Câmara.
A arbitrariedade deu resultado. Saltou de 264 para 330 o número de deputados a favor do financiamento privado empresarial e ele foi aprovado. A decisão de que empresas poderão doar para partidos e indivíduos poderão doar para partidos e candidatos, se for mantida pelo segundo turno na Câmara e pelo Senado, será inserida  na Constituição. E esta era parte da manobra: retirar do STF o poder de declarar a lei inconstitucional que hoje está em vigência. Com a votação de terça-feira, havia aumentado a pressão para que o ministro Gilmar Mendes devolvesse o processo da Ação de Inconstitucionalidade apresentada pela OAB, a ADI 4650, que pede o fim do financiamento empresarial de campanhas e partidos políticos. A maioria dos ministros do Supremo já havia se pronunciado a favor da Adin. Mas em abril de 2014, Mendes pediu vistas do processo e está com ele até agora. Assim, impediu que o financiamento empresarial fosse probido pelo Supremo.
O discurso da sintonia da Câmara com o povo, usado para justificar a proposta do distritão, cai por terra com a aprovação do financiamento empresarial, rejeitado pela quase absoluta maioria do eleitorado. A mídia vendeu para a opinião pública a versão de que o PT não queria mudar nada. Mentira. O partido defendeu o voto em lista, aceitou o distrital misto e o financiamento público. Mas a imprensa fez seu papel de aliada da manutenção do financiamento empresarial. E assim o Congresso Nacional permanece sob o controle do poder econômico, com todas as conseqüências mais do que conhecidas pelo pais.
O grande ausente foi a mobilização popular, a pressão sobre os deputados, a vontade das ruas e do povo. Mais uma lição. Os partidos contrários ao distritão e ao financiamento privado não mobilizaram nem se articularam com as entidades que defendiam essa posição. Assim, prevaleceu a pressão e a chantagem sobre os pequenos partidos.
Agora, a reforma política vai passar por um segundo turno de votações na Câmara, para depois ir ao Senado, passar pelas comissões e também ser votada em dois turnos. Resta saber se teremos força para mobilizar e lutar no Senado contra a continuidade do financiamento privado, mesmo a partidos.

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