sexta-feira, 20 de setembro de 2013

“Mensalão”: o erro grosseiro do STF

Como tribunal construiu hipótese falsa do “desvio de dinheiro público”, mas deixou de investigar sequestro da democracia pelo poder econômico
Por Raimundo Pereira e Lia Imanishi, na revista Retrato do Brasil
O voto histórico do ministro Celso de Mello, que reabriu, nesta quarta-feira, o debate sobre o “Mensalão” no STF, não desenhou apenas uma risca de giz contra o ataque aos direitos civis. Ele pode ter criado condições para questionar um consenso que a mídia construiu ao longo dos últimos oito anos.
O que há de errado com o sistema político brasileiro? Atos individuais, comandados por mentes corrompidas, que deformam nossa “democracia”? Ou algo mais profundo: leis e práticas que permitem a grandes empresas formar bancadas parlamentares, influir decisivamente na escolha dos governantes, sequestrar a política?
O julgamento do “Mensalão” é decisivo porque coloca as duas hipóteses claramente em choque. A grande maioria dos brasileiros crê que se tratou de um desvio de dinheiro público. Há cerca de dois anos, os jornalistas Raimundo Pereira e Lia Imanishi tentam mostrar, por meio de uma série de reportagens publicadas na revista “Retrato do Brasil“, que esta visão é ingênua. Dirigentes do PT transferiram cerca de R$ 55 milhões, arrecadados junto a empresas, para correligionários e aliados, de forma ilegal. Deveriam ser condenados por isso. Mas o STF não investigou tais atos. Preferiu criar uma ficção: a de que os petistas teriam subtraído estas somas do Banco do Brasil. 
Tal escolha não foi fortuita. Crimes eleitorais, relacionados a financiamento de campanhas, são corriqueiros na política brasileira. Para enfrentá-los seria preciso mudar o sistema político — proibindo, em especial, que as empresas sustentem e submetam, a seus interesses particulares, os partidos e seus membros. Haveria uma pequena revolução. Centenas de dirigentes partidários, de todo o espectro ideológico, seriam punidos. Muito mais importante: o poder econômico perderia um instrumento essencial para definir prioridades do Estado e fechar contratos favorecidos. Ao invés de enfrentar tal tema, o STF preferiu encarcerar alguns indivíduos. É truque antigo: sacrificar bodes expiatórios sempre ajudou a distrair atenções e manter injustiças.
A longa reportagem publicada abaixo resume o trabalho de dois anos de Raimundo Pereira e Lia Imanishi. Está disponível, gratuitamente, também como aplicativo para celulares. Para pesquisar o assunto em mais detalhe, vale examinar, também, as nove edições regulares  [1 2 3 4 5 6 7 8 9] e o livro que “Retrato do Brasil” publicou sobre o tema. E ler a análise política que “Outras Palavras” estampou a este respeito (A.M.).

Fonte: outraspalavras.net em 20 de setembro de 2013

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