domingo, 11 de outubro de 2015

Estocar vento: a ignorância pedante é a pior de todas.


Em tempos de video-même-mania, tudo serve para fazer graça, não é mesmo? E quando se trata da Presidente Dilma, na fase que vem atravessando, qualquer tropeço ou metáfora minimamente gaguejante enseja a proliferação de video-edições, reprodução de conteúdo e, em cima deles, comentários de transeuntes cibernéticos distilando sua insatisfação ou revolta sem qualquer preocupação em verificar se o que estão ironizando ou criticando tem ou não fundamento.

Após o discurso de Dilma Rousseff, feito no dia 27 de setembro de 2015 durante entrevista coletiva promovida pela ONU em Nova York – onde a presidente afirmou que é impossível se estocar vento e que se busca tecnologia viável para isso  – milhares de vídeos, blogs e sites proliferaram ironizando a Presidente de forma mais ou menos agressiva.

Tem gente que sequer ouviu direito o que ela disse ao usar um jargão metafórico do setor energético que nem todos conhecem.

Em primeiro lugar, espalhou-se que ela disse que existe como estocar vento. Ao contrário, ela afirma “ainda não se conseguiu tecnologia [viável] para estocar vento”. Quem conhece o jargão do setor energético, sabe que ela se referiu a “estocar energia do vento” – como o setor usa “estocar água” ou “estocar biomassa” quando se refere a estocar energia dessas fontes através dos reservatórios, linhas de transmissão ou outros métodos.

Obviamente, no caso da eólica, “estocar vento” se faz, como a própria ex-ministra de Minas e Energia mencionou, hoje por meio das linhas de transmissão e, potencialmente, através de baterias como já ocorre no caso da energia solar. Só que no caso das eólicas de grande porte, a escala e a velocidade da acumulação ainda não permitem isso. E é fato que estão sendo buscadas tecnologias para atender isso, mas ainda não atingiram viabilidade comercial. Ela não falou besteira alguma! Usou uma figura retórica comum e fez alusão a fatos.

Mas vamos considerar que ela tenha desejado que se viabilize tal tecnologia, como de fato fez: mais uma vez, não cometeu estultice alguma, como ensina uma rápida pesquisa no Google. Ali é possível encontrar, sem maiores dificuldades, várias pesquisas e até equipamentos já existentes capazes de estocar a energia eólica, ou seja, armazenar a energia proveniente dos ventos (e não o vento, claro!).

1. Baterias Para Suportar Energia Eólica e Solar na Rede Elétrica Encontram Primeiros Clientes

– Aplicações de nicho vão ajudar a tecnologia de baterias para redes elétricas avançar. Aquion Energy – http://www.technologyreview.com.br/read_article.aspx?id=46785

2. Novo Material Para Baterias Poderia Ajudar a Energia Eólica a Crescer – Materiais de baixo custo poderiam tornar o armazenar do equivalente a horas de energia de um parque eólico economicamente viável.http://www.technologyreview.com.br/read_article.aspx?id=44560

3. Reino Unido vai usar ar líquido para estocar energia – “(…) proposta é contribuir para a superação de altos e baixos no abastecimento provocados pela intermitência das fontes renováveis. Estocada em ar líquido, a energia estaria disponível para o consumo mesmo em dias nublados ou de calmaria.” – http://agencia.fapesp.br/reino_unido_vai_usar_ar_liquido_para_estocar_energia/19210/

4. Estocagem elétrica: Dilma se referiu exatamente a isso: “(…) a introdução massiva de produção eólica, e as grandes necessidades de resposta muito rápida associadas a esta, geraram a necessidade de dispor, em alguma medida, de estocagem elétrica para complementar o sistema de forma mais segura e econômica.” https://infopetro.wordpress.com/2013/08/19/o-problema-da-interacao-energia-eolica-hidraulica-e-gas-natural/

5. Sobre a intermitência da fonte eólica, Pietro Erber, diretor do Instituto Nacional de Eficiência Econômica, em artigo no Valor Econômico de 29/07/2015 reproduzido no site da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEOLICA) diz: “portanto, o desenvolvimento de acumuladores de energia assume prioridade tão elevada quanto a busca de maiores eficiências e menores custos dos equipamentos destinados à sua utilização.” – http://www.portalabeeolica.org.br/index.php/noticias/3676-fontes-renov%C3%A1veis-intermitentes.html

6. Por fim, para um entendimento bem básico:

http://www.infoescola.com/energia/armazenamento-da-energia-eletrica-energia-eolica/ –

“A energia dos ventos não é constante (em alguns períodos do ano venta muito, em outras quase não há ventos) por isso, quando a demanda por energia é constante, é necessário utilizar mecanismos para armazenar, de forma indireta, a energia dos ventos, ou seja, a energia gerada na forma elétrica ou mecânica. Assim, nas ocasiões em que a produção de energia pelas turbinas for maior que a demanda pode-se armazenar o excedente para usar quando a situação se inverter. Digamos que esta seja uma forma de não “desperdiçar” a energia produzida.

Podemos dividir as formas de armazenamento indireto da energia eólica em dois grupos: mecânicas e elétricas. A diferença entre ambas, é que na primeira (mecânica) são utilizados mecanismos que usam forças de natureza mecânica para realizar o armazenamento e, na segunda (elétrica), é usado o excedente da eletricidade gerada pela turbina para acionar os mecanismos de armazenamento.

No caso da energia eólica temos o inconveniente de que ela não pode ser armazenada como “energia elétrica”. Então são usados alguns mecanismos para armazená-la sob outras formas. Veja a seguir os mecanismos mais utilizados e alguns exemplos de como podem armazenar energia:

– Bateria: a bateria é um conjunto de células eletroquímicas capazes de armazenar a energia eólica – elétrica sob a forma de energia química. Existem basicamente dois tipos de baterias eletroquímicas: as recarregáveis e as não-recarregáveis. As baterias recarregáveis são aquelas onde é possível reverter as reações de oxidação-redução dos componentes químicos da bateria para que se possa gerar energia novamente; e as não-recarregáveis, são aquelas onde não é possível (ou é muito difícil) reverter a reação. As primeiras é que são usadas para o armazenamento da energia eólica (elétrica), pois, uma vez que a bateria foi usada pode-se recarregá-la usando o excedente produzido pela turbina.

– Geração de H2: a energia eólica – elétrica pode ser convertida e depois armazenada sob a forma de energia química do hidrogênio. A conversão se dá pelo processo de eletrólise da água, quando as moléculas de água são separadas, pela ação de corrente elétrica, em átomos de hidrogênio e oxigênio e liberam energia. O hidrogênio, então, poderá ser armazenado para posterior utilização em células combustíveis (que recombinam o oxigênio do ar com o hidrogênio para gerar eletricidade) de três formas diferentes: comprimido e engarrafado, liquefeito e armazenado em garrafas isoladas termicamente ou absorvido em hidratos metálicos.

– Calor: o armazenamento do excedente da energia eólica – elétrica sob a forma de calor (energia térmica) pode ser feito com o uso de resistores. Os resistores são componentes que transportam corrente elétrica e ao fazê-lo se aquecem liberando calor. Os resistores podem usados, por exemplo, para aquecer água que ficará armazenada em um recipiente térmico ou na forma de vapor, a fim de que o calor possa ser usado novamente mais tarde.

– Motor-bomba: nesta forma de armazenamento o que se faz é usar a energia elétrica produzida pelo sistema eólico para alimentar uma bomba, movida a eletricidade, que irá transportar a água de um corpo hídrico para um reservatório em determinada altura. A energia ficará então, armazenada sob a forma de energia potencial da massa de água armazenada que, quando for necessário será liberada e poderá acionar uma turbina geradora de eletricidade (parecido com uma usina hidrelétrica só que em proporções menores).

– Motor-compressor: o motor compressor é um mecanismo que permite o armazenamento da energia eólica – elétrica na forma de energia potencial do ar comprimido que pode ser armazenado em um recipiente próprio para posterior utilização no acionamento de turbinas gerando, novamente, eletricidade.

– Motor-volante: o volante (também chamado de flywheel), é uma roda que armazena a energia através do movimento giratório (energia cinética) por tempo “indeterminado” (baseado na lei da conservação da energia a roda em movimento tende a permanecer em movimento desde que não sofra a ação de nenhuma força contrária. Na flywheel existem mecanismos que anulam as forças contrárias então, enquanto eles se mantiverem íntegros o volante continuará girando.). A diferença entre o motor-volante e o volante-mecânico é somente a forma de “dar a partida”: no primeiro, usa-se a energia elétrica para acionar o movimento do volante e no segundo usa-se a energia mecânica.” – InfoEscola.


Gafes presidenciais nunca serão um “privilégio” do Brasil. E toda gafe tem uma explicação: ora num aspecto cultural, retórico ou linguístico, ora circunstancialmente pelo nervosismo ou cansaço. Afinal, um candidato ou presidente tem que realizar em média mais de 3 pronunciamentos públicos por dia, todos registrados inapelavelmente. E, numa democracia, como com Bush, Sarkozy e muitos outros, a proliferação de seu registro é inevitável nas redes sociais e canais de mídia. Usando uma das alegadas gafes de nossa própria personagem preferida, “uma vez fora do dentifrício, a pasta não volta mais” (em tempo: em linguagem coloquial, ela estava evidentemente se referindo ao recipiente que contém o dentifrício).

O episódio da chuva: deixando de lado a má vontade claramente destilada por quem edita e compartilha qualquer coisa que sirva para denegrir a imagem daqueles com quem não se simpatiza, é fácil verificar, ao ver o video, que a Presidente vai discursando e desviando sua atenção para o fato de que as pessoas do fundo da audiência estão se retirando. Preocupada com a inevitável fustigação a respeito de “pessoas abandonando o discurso presidencial enquanto ela fala”, ela decide mencionar a situação esclarecendo que as pessoas estão saindo para não pegar chuva. Não separou claramente os assuntos, e aí, se tornou vítima – democraticamente – de idiotas contumazes, para ganhar audiência em seus canais.

O episódio da “roraimada”: este deu margem a duas críticas a de que a Presidente da República não sabe qual é a capital de Roraima (é realmente crível que imaginem isso?), e de que teria cometido uma atrocidade ao se sentir uma “roraimada”. Evidentemente, a presidente quis se referir a Roraima ter a capital mais distante de Brasilia e não “ser“, no caso de Boa Vista. Há inúmeros outros registros dela e de presidentes se equivocando ao saudar cidades ou estados e até países, por cansaço ou confusão em jornadas longas e sequenciais. Mas quanto ao “roraimada“, a ignorância de quem se desdobrou em agressões e ironias poderia ser revelada por mais uma simples consulta ao Google para verificar que trata-se de expressão correta que significa “forasteiro(a) que adota ou é adotado por Roraima”.

Todos notam e sabem que Dilma não é uma grande oradora de improviso. Em estado normal, e pelas circunstâncias da vida, nunca foi uma pessoa de senso de humor ou descontração natural. É uma personalidade forte mas travada, concentrada, introspectiva. O ungimento surpreendente dela, por Lula, à missão política de se candidatar e exercer a Presidência da República a obrigou a multiplicar os poucos sorrisos e discursos informais. Não é parte inerente dela. Não faz parte da sua personalidade original. Esta é uma nova personalidade construída pelas circunstâncias recentes, que a faz projetar seu conteúdo de forma aparentemente titubeante (no caso da roraimada) ou confusa (no caso de estocar vento), ou mesclar colocações simpáticas em meio a um discurso sem deixar clara a divisão entre momentos e dizeres (como no caso das pessoas na chuva).

Interagi, mesmo que poucas vezes, com Dilma Rousseff quando ela era a Ministra de Minas e Energia e eu Secretário de Energia do RN. Pelo menos quanto ao setor em que milito, posso assegurar que ela sabe perfeitamente o que estava dizendo a respeito de energia eólica.

Vamos, portanto, nos preocupar com coisas bem mais sérias pois o País inspira atenção e muito critério para se assumir posições. Ninguém é totalmente do bem, e ninguém é totalmente do mal neste jogo atual, infelizmente. Os maniqueístas e radicais não conseguirão convencer ninguém, pois sempre terão exemplos contrários em suas próprias hostes. Melhor julgar atitudes do que dizeres e empatias, e punir seus responsáveis ou redimi-los – indistintamente.

Por Jean-Paul Prates

Jean-Paul Prates é advogado e economista. Especialista em energias e recursos naturais. Foi secretário estadual de energia do RN (2007-2010). Senador-Suplente de Fátima Bezerra (RN). Presidente do CERNE e do SEERN. Trabalha e investe em projetos relacionados a energia renovável, petróleo/gás, infra-estrutura e sustentabilidade. LinkedIn: jpprates.

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