terça-feira, 26 de maio de 2015

PT precisa respeitar sua história. Ele foi ao poder para mudar e não para conservar.

“Mais que retomar origens, é preciso aprender com aqueles que reinventam o que PT foi. Veja Junho de 2013!”
Em uma entrevista para o Blog do Zé Dirceu, Lincoln Secco aprofunda questões que devem estar em debate no 5º Congresso do PT. Ele é um dos signatários do manifesto O PT não vai matar o Petismo, apesar de não ser um de seus organizadores. E explica o que o atraiu no texto: “ele pede que o PT internalize a democracia que defende para a sociedade. No 4º Congresso o PT tinha avançado nisso. As mulheres têm que ser metade da direção e foi aprovada a rotatividade dos mandatos parlamentares. A pergunta é: isso será respeitado? O que será do PT se ele não mudar?”.
Para Secco, o problema do PT não é de conteúdo, é de forma. O PT precisa internalizar a democracia que defende para a sociedade. Como essas duas questões (forma e conteúdo) são intrinsecamente ligadas, o fato de o PT ter deixado de fazer trabalho de base e ter priorizado as questões institucionais afastou-o dos movimentos vivos na sociedade. “Mais que retomar origens, é preciso aprender com aqueles que reinventam o que PT foi. Veja Junho de 2013! Ali se inaugurou para o bem ou para o mal um novo ciclo político. Ele teve a ver com as transformações que Lula promoveu, mas também com alterações da forma. O PT foi inovador, não é mais. As militantes e os militantes promovem hangouts, o facebook se massificou no Brasil em 2013 e o ‘zap zap’ na gíria popular funciona mais do que qualquer panelaço”, diz ele.
“Quer saber como fazer? Veja os novos coletivos, aprenda com eles. Produza uma pauta única e agregadora, antecipe respostas.” Um exemplo: a criminalização da esquerda seria algo para o PT debater no 5º Congresso. “Mas como o PT do poder é pragmático, ele só repete a ladainha do republicanismo e não mobiliza ninguém.” Lincoln Secco é professor Livre Docente de História Contemporânea na USP e autor de História do PT (Editora Ateliê).
Blog do Zé Dirceu — O 5º Congresso Nacional do PT será realizado em junho. O processo de debates preparatórios já começou. Serão realizados cinco debates preparatórios cujos temas indicam as questões a serem tratadas no congresso: Neoliberalismo, pós-neoliberalismo e os desafios da construção do socialismo no Brasil; O papel do Brasil em um mundo em transformação: a ordem econômica e geopolítica internacional; Modelo de desenvolvimento, redução das desigualdades e mudanças estruturais no Brasil; Os impasses da democracia no Brasil: a centralidade da reforma política e da democratização do meios de comunicação; O Brasil e a equidade social: os direitos dos segmentos sociais historicamente discriminados. Qual a sua expectativa com este processo? O que, idealmente, deve resultar dele?

Lincoln Secco — Este 5º Congresso será marcado infelizmente por uma conjuntura de crise. E isso leva ao açodamento. Por isso não tenho grande expectativa. É o pessimismo da razão. Um partido do tamanho do PT não faz mudanças bruscas de direção. E nem acho que o problema seja das teses. Vai surgir dirigente atacando o Processo de Eleições Diretas (PED), por exemplo. O PED é bom num partido de massas. Ele pode ser melhorado, a competição pode ser mais justa. Quem estudou ou viveu a história do partido sabe que o PED não alterou a correlação de forças interna e que já havia abuso de poder. Os temas que você citou são ótimos, mas são os de sempre. Há algumas propostas no Manifesto O PT não matará o petismo como o direito à cidade, reforma das polícias etc. Só que o problema do PT não é só de conteúdo, mas de forma. O que me atraiu naquele manifesto foi isso. Porque ele pede que o PT internalize a democracia que defende para a sociedade. Não falo em nome dos organizadores, evidentemente. No 4º Congresso o PT tinha avançado nisso. As mulheres têm que ser metade da direção e foi aprovada a rotatividade dos mandatos parlamentares. A pergunta é: isso será respeitado? O que será do PT se ele não mudar? Não vejo risco de fragmentação, exceto se houvesse uma improvável crise institucional como um impeachment. Na situação atual, o problema é ele sofrer perdas em sua base social organizada, vê-la atraída por outras formas de fazer política.

Um tema a ser debatido no congresso é a regulamentação da decisão do partido de não receber mais doações de empresas privadas. Qual é a importância dessa decisão e como ela se articula com o debate sobre a reforma política?
Vamos esquecer a reforma política. O PMDB vai tentar fazer uma antireforma. O PT deve retomar sua postura de 1993 contra a revisão constitucional. Bloquear o que conseguir. A nossa Constituição de 1988 foi um fruto progressista de um congresso conservador por causa da correlação de forças que havia na sociedade. Eram os anos 1980! Depois disso, toda tentativa de revisão ou de reforma tendeu a retirar direitos e não a ampliá-los porque se estabeleceu uma hegemonia neoliberal na sociedade. É o oposto de 1988. O momento para uma reforma talvez fosse junho de 2013, quando a própria presidenta propôs um plebiscito e foi sabotada pelos parlamentares. Agora, o Congresso recém-eleito está ainda mais à direita. Quanto ao financiamento empresarial, essa não é uma decisão que foi fruto de um debate no interior do partido. Foi uma reação aos protestos de março e ao escândalo que a grande imprensa produziu em torno da Petrobrás. Não deixa de ter algum impacto na melhoria da imagem do PT no médio prazo. Mas o partido se rendeu. Nessa legislatura os deputados não vão acabar com o financiamento empresarial. Eles acham que só o PT arrecadaria de simpatizantes porque tem base organizada. O PT é o único partido do Brasil punido por suas qualidades e não pelos defeitos. O fim do financiamento empresarial tem que ser para todos. O PT só pode adotar unilateralmente se entender que vai abandonar o espaço institucional que ocupa. Mas não vai, tanto é que a medida não proíbe os candidatos de arrecadar das empresas. A gente sabe o que a oposição quer. Ela já voltou a espalhar a balela de que a derrota do PT seria salutar para a democracia. E há os petistas “republicanos” que dizem que seria bom para o PT. Mas no presidencialismo o que deve mudar é a pessoa do governante e não o partido, já que é um modelo personalista. O PT não precisa sair do poder para mudar. Ele simplesmente não mudaria. Se ele perdesse, continuaria presente em governos estaduais e em centenas de prefeituras.

Um texto escrito pela senadora Fátima Bezerra como contribuição aos debates fala da relação do PT com os movimentos sociais. O que você acha?
Ela critica corretamente a “opção excessivamente institucional” que o PT fez a partir de 2003. Ela lembrou que no ano passado a militância reapareceu e o PT virou o jogo de uma eleição que caminhava para a derrota. O que ela não percebeu, pelo menos naquele texto, é que desde 2006 é assim. No segundo turno os aliados do PT apoiam o adversário e o partido se volta para suas bases organizadas. Quando vence, os “aliados” voltam logo para preencher os cargos. É que o Brasil vive desde 2005 aquilo que o filósofo Paulo Arantes chama de polarização assimétrica. A direita só quer impedir um governo, um governo que sequer reage. Nós temos um antecedente histórico. Quando Getúlio Vargas ganhou em 1950 disse que o governo seria popular e o ministério reacionário. A esquerda tinha que ser pragmática, e a direita ideológica. O problema é que a ideologia da direita brasileira é a do liberalismo oligárquico, de fachada. Quando ela radicaliza, apela para golpes. Dava para entender o medo do Getúlio porque o exército o ameaçava toda hora e ele já tinha sido derrubado uma vez. Mas o petismo tem outra situação histórica. Poderia mobilizar mais, mesmo num país conservador. Ele foi ao poder para mudar e não para conservar. Eu sei que os constrangimentos da presidenta são enormes. O nosso problema foi que com o fim do “poder moderador” das Forças Armadas a dominação de classe se ancorou no judiciário. O PT sofre com isso e os novíssimos movimentos sociais também. A criminalização da esquerda seria algo para o PT debater no 5º Congresso. Mas como o PT do poder é pragmático, ele só repete a ladainha do republicanismo e não mobiliza ninguém.

Outro texto no site do congresso do PT diz: “A questão central é a seguinte: se a principal disputa política se dará em torno dos rumos do governo (…), como o PT e seus aliados (partidos e movimentos sociais) podem defender o governo no momento em que se aplica uma política econômica que desmobiliza nossa base social?”
Ninguém tem uma resposta para isso e duvido que o 5º Congresso consiga equacionar o problema. É que a resposta não depende do PT e sim do governo. A presidenta  Dilma é que deveria escolher um ajuste fiscal sem retirada de direitos trabalhistas. Mas isso é conjuntural. Não é uma crise derivada de erros de política econômica. Teve isso também. A imprensa diz que foi só isso, mas é normal que diga porque ela é o partido de oposição no país. O Brasil não vai acabar, nossas taxas de desemprego estão longe daquelas do sul europeu. Falaram em apagão, mas há segurança energética até agora. Claro que há uma crise internacional que nos afetará por um tempo. No capitalismo é assim, os governos podem menos do que se imagina. Tinha que ajustar? Tinha, mas podia jogar a conta mais para cima e não para baixo. Como a presidenta errou em tudo o que fez desde que se reelegeu, virou prisioneira do PMDB, da mídia, da direita das ruas e todo mundo quer tirar um pedaço. Menos a  classe trabalhadora. A CUT vai à rua e nenhuma palavra dela. A Direita para o Brasil num domingo (risos) e lá vão os ministros se pronunciar sobre o direito cívico dos golpistas. A CUT, o MST e o PT nada podem fazer. Vão para a oposição? Claro que não. Mas eu acredito que o PT vai deixar de ser correia de transmissão do governo por algum tempo. Não é a autonomia, mas uma distância segura até que a crise passe.

A pergunta é: não adianta resolver tudo, pois isso equivale a resolver nada. Então, que tipo de resolução o congresso deve tomar para que o PT, nas palavras da direção do partido recentemente, “retome suas origens”?

As correntes petistas falavam em retomar as origens já no 1º Congresso. E eu acho que o PT precisa respeitar mais a sua história. Não tem formação, aceita políticos locais que são de direita, permite que dirigentes elogiem a repressão policial. É preciso entender que a sociedade brasileira mudou. Em grande parte por causa do Lula. Ele alterou a composição de classes do país e, com isso, as esperanças. O pacto social – rentista que sustenta o modelo de governo se esfarelou e as pessoas querem a melhoria dos serviços públicos. A nova fronteira do avanço social brasileiro é a Revolução Educacional. O resto vem junto. Mais que retomar origens, é preciso aprender com aqueles que reinventam o que PT foi. Veja Junho de 2013! Ali se inaugurou para o bem ou para o mal um novo ciclo político. Ele teve a ver com as transformações que Lula promoveu, mas também com alterações da forma. O PT foi inovador, não é mais. As  militantes e os militantes promovem hangouts, o Facebook se massificou no Brasil em 2013 e o “zap zap” na gíria popular funciona mais do que qualquer panelaço,  só que a produção da informação continua monopolizada, a internet não é democrática e Junho não foi produto do facebook. A Fundação Perseu Abramo está antenada com tudo isso. Não está aí o problema. O que o PT deixou de fazer é trabalho de base. O Movimento do Passe Livre (MPL) faz, desde 2006. Ele não apareceu do nada. Quer saber como fazer? Veja os novos coletivos, aprenda com eles. Produza uma pauta única e agregadora, antecipe respostas. Pimentel em Minas Gerais deu um exemplo, enquanto no Paraná os professores comem o pão que o tucano amassou. Em São Paulo é igual e cadê o PT gritando na Assembleia Legislativa? Apoiando a greve? É algo que nem envolve a Dilma. Isso só mostra um partido paralisado e que não entendeu nada de junho. O Lula, aliás, foi o único dirigente  que sempre falou de junho. Talvez ele veja coisas ali que os outros, presos à rotina, nem querem saber que existe. Agora, a direita aprendeu. Ela imita a forma dos protestos e até de coletivos de esquerda. Mas isso passa, porque a classe média nunca se organizou permanentemente no Brasil. Junho foi real, já o 15 de março de 2015 foi uma farsa.

Parte dos problemas do PT deve-se a questões internas. Na verdade, mudanças seriam necessárias para ampliar a democracia interna e permitir um maior trânsito entre a vida partidária e o que está acontecendo nas ruas. Há movimentos, coletivos, iniciativas que não se reconhecem no partido e que não são incorporados… existe solução para isso? Ela está na forma de o partido se organizar ou ultrapassa esta dimensão?

É claro que forma e conteúdo são inseparáveis. Não daria para o PT voltar a ser mais federativo como foi nos anos 1980 sem que retomasse propostas mais radicais. As Jornadas de Junho não foram de partidos, mas de indivíduos atomizados e de muitos coletivos organizados. Os organizados eram de uma esquerda sem rótulo, mas focados numa pauta única como o Movimento Passe Livre. É irônico que o MPL tivesse uma proposta “petista”, a tarifa zero. Quando o MPL atacava o governo Kassab, eu vi os dois principais vereadores do PT no meio da manifestação. No início de 2015, como era o governo Haddad, os neopetistas de plantão acusavam o MPL de apoiar o governo Alckmin. Só que o governador discordou (risos) e houve uma enorme violência policial. É um tipo de repressão preventiva. A PM cria um pretexto e dissolve a manifestação antes que ela aconteça. Eu presenciei na Praça do Patriarca até as discussões entre os policiais sobre quando atacar. Nenhuma palavra da direção do PT, com a exceção do deputado Adriano Diogo, que saía de madrugada para soltar jovens manifestantes na delegacia. Já no 15 de março, as pessoas tiravam selfies com a PM e muitos neopetistas ironizavam. Sobre certas coisas não dá para ter dois discursos. E eu estou falando de uma reivindicação claramente de esquerda que é a tarifa zero e que nasceu no PT. O prefeito petista de Maricá teve coragem e adotou. Não digo que o partido pudesse prometer o passe livre para já, mas podia travar a batalha nas ruas e nas prefeituras até sua implementação. É a Revolução dentro da Ordem, da qual falava nosso companheiro Florestan Fernandes. Como ele, eu prefiro a Revolução contra a Ordem, mas eu sei que isso vai ficar para depois. Só que é num exemplo assim que vemos a falta que a estratégia de longo prazo faz. Sem horizonte socialista você não faz nem as reformas capitalistas.

Do Blog do Zé Dirceu

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