sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Fátima Bezerra se despede simbolicamente da Câmara dos Deputados


A deputada federal e senadora eleita pelo Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT) fez, nesta quinta-feira (11), no plenário da Câmara,  um discurso de agradecimento e de encerramento do mandato na Câmara dos Deputados.

Em sua fala, Fátima se lembrou de sua trajetória forjada na luta popular, especialmente na luta dos trabalhadores em educação, bem como relembrou as principais conquistas feitas pelo governo Lula e Dilma. “Rememorar é produzir um discurso sobre o passado e se torna difícil reproduzir fielmente cada passo de uma caminhada quando até mesmo o olhar de quem caminha já não é o mesmo. Em síntese, aquela professora, dirigente sindical e militante do PT foi eleita duas vezes deputada estadual, em 1994 e 1998; posteriormente foi eleita três vezes deputada federal, em 2002, 2006 e 2010, sendo a candidata a deputada federal mais votada do estado em 2002 e 2010”, disse.

Fátima lembrou da aprovação de importantes projetos que tramitaram pela Casa, como, por exemplo, a criação do FUNDEB, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), a Lei de Cotas, Lei do Piso Nacional do Magistério, a Lei dos Royalties,  e recentemente o Plano Nacional de Educação, que vinculou 10% do PIB para educação.  “Iniciei o mandato como deputada federal quando se iniciava o governo do primeiro operário eleito presidente do Brasil, o que nos permitiu transformar diversos sonhos em realidade. Tenho muito orgulho de nunca ter envergonhado a população do Rio Grande do Norte e a população brasileira nesta Casa ou fora dela, de sempre ter caminhado sobre o terreno da ética e de ter me doado de corpo e alma à tarefa coletiva de transformar o Brasil, abdicando do convívio cotidiano com familiares e amigos”, declarou.

Senado

Fátima aproveitou parte de seu discurso para agradecer a população do estado que confiou e votou na primeira senadora de origem popular do Rio Grande do Norte. “O PT potiguar ousou enfrentar aquela que talvez tenha sido a maior tentativa de recomposição das oligarquias locais e eleger a primeira senadora de origem popular da história do Rio Grande do Norte, com o apoio decisivo de milhares de jovens e trabalhadores que hoje podem sonhar e transformar seus sonhos em realidade”, afirmou.

“Quero agradecer ao povo do Rio Grande do Norte, que mais uma vez se fez protagonista de um novo tempo, que generosamente me confiou mais um mandato, desta vez no Senado Federal. Agradecer a cada jovem que pela primeira vez ergueu a bandeira do PT e foi às ruas defender um outro mundo possível. Minha gratidão é indescritível, assim como é indescritível minha vontade de fazer valer a luta, de fazer valer o sonho”, completou emocionada Fátima Bezerra.

Fátima disse ainda que nos próximos anos o Congresso terá que aprovar importantes projetos para o desenvolvimento do país, como, por exemplo, a reforma política, com  uma Constituinte Exclusiva e Soberana; a reforma agrária e urbana; e a Lei da Mídia Democrática.  “Os desafios são imensos e exigem do parlamento muito mais protagonismo, compromisso e responsabilidade social. Ao lado dos movimentos sociais, da bancada do PT e dos partidos aliados,  quero ajudar a presidenta Dilma fazer um mandato melhor do que o primeiro. Serei também uma voz firme na defesa do meu Rio Grande do Norte”, finalizou.


Leia na íntegra o discurso na íntegra

Sr. Presidente,
Sras. e Srs. Deputados,


É com muita emoção que ocupo a tribuna desta Casa para simbolicamente me despedir dos meus pares, das servidoras e servidores públicos com quem convivi durante os últimos 12 anos enquanto deputada federal, assim como para destacar momentos importantes de uma trajetória forjada na luta popular, especialmente na luta das trabalhadoras e dos trabalhadores em educação.

Sr, Presidente,

Guimarães Rosa sintetizou com muita beleza o que a vida exige de mim e que exige diariamente da maioria do povo brasileiro: o que a vida quer da gente é coragem. E foi com muita coragem que, ainda muito jovem, migrei da pequena cidade de Nova Palmeira, no interior paraibano, para estudar e lutar por uma vida digna na capital do Rio Grande do Norte. Naquele momento eu achava que estava diante do maior desafio da minha vida, e talvez realmente fosse, pois sem superá-lo provavelmente eu não iria me defrontar com os desafios seguintes. Para mim a vida é uma estrada repleta de bifurcações, impondo-nos escolhas difíceis e necessárias.

Tive a oportunidade de escolher um ofício pouquíssimo valorizado, mas extremamente desafiador: o magistério na educação pública. Tão desafiador que me colocou diante de uma nova bifurcação. Foi quando construímos uma coluna de resistência, tentamos forjar nossa identidade de classe e decidimos escrever nossa própria história. A associação se transformou em sindicato, o sindicato se uniu a outros em confederação, a confederação se aliou a outras categorias e movimentos em campanha permanente: estava decidido que não seríamos derrotados sem luta popular. Foi quando percebemos também que era necessário invadir o castelo, eleger representantes de nossa luta para travar a disputa institucional no interior dos governos e parlamentos, e decidimos construir o Partido dos Trabalhadores, uma organização de sonhos coletivos liderada pelo operário Luís Inácio Lula da Silva: estava decidido que não seríamos derrotados sem ousar destronar os poderosos e construir o poder popular.

Foram inúmeras assembleias, reuniões, greves, caravanas e provações. A direita, explorando o oligopólio da mídia, operou diuturnamente para criminalizar os movimentos sociais e negar a política, com o nítido objetivo de preservar o estado de coisas, mas não foi capaz de nos deter, embora nos tenha imposto obstáculos dolorosos e até mesmo provocado baixas em nossas trincheiras, com o assassinato de lutadores e lutadoras do povo brasileiro em plena democracia que acabava de ser reconquistada. Sim, é preciso ser dito, em pleno século XXI ainda existem lideranças populares ou mesmo blogueiros progressistas perseguidos e ameaçados de morte no Brasil.

Quando me foi dada a tarefa de coordenar o movimento das trabalhadoras e dos trabalhadores em educação no Rio Grande do Norte pensei novamente que estava diante do maior desafio da minha vida, mas a história foi sendo escrita dia após e dia e os novos desafios brotaram à medida que superamos cada obstáculo. Já não sabíamos distinguir o que era eu e o que era nós, éramos, todas e todos, partes de uma teia de resistência tecida com muita ousadia e ternura para se confrontar com a violência e com a ganância daqueles que transformaram o Estado em balcão de negócios particulares, como se o Estado devesse ser administrado como a Casa Grande dos tempos da escravidão.

Rememorar é produzir um discurso sobre o passado e se torna difícil reproduzir fielmente cada passo de uma caminhada quando até mesmo o olhar de quem caminha já não é o mesmo. Em síntese, aquela dirigente sindical e militante do PT foi eleita duas vezes deputada estadual, em 1994 e 1998; posteriormente foi eleita três vezes deputada federal, em 2002, 2006 e 2010, sendo a candidata a deputada federal mais votada do estado em 2002 e 2010.

Sr. Presidente,

Sras. e Srs. Deputados,

Tenho muito orgulho de ter chegado até aqui sem campanhas milionárias, sem comprar a vontade popular e sem ser proprietária de nenhum grande veículo de comunicação, o que por sinal é inconstitucional. Tenho muito orgulho de nunca ter envergonhado a população do Rio Grande do Norte e a população brasileira nesta Casa ou fora dela, de sempre ter caminhado sobre o terreno da ética e de ter me doado de corpo e alma à tarefa coletiva de transformar o Brasil, abdicando de uma vida confortável e do convívio cotidiano com familiares e amigos. Por força do destino companheiros e companheiras de luta se transformaram em amizades imprescindíveis, sem as quais a solidão seria intransponível. Por força da luta popular iniciei o primeiro mandato como deputada federal quando se iniciava o governo do primeiro operário eleito presidente do Brasil, o que nos permitiu transformar diversos sonhos em realidade.

Sr. Presidente,

Não há como comparar o que esta Casa produziu nos últimos 12 anos ao que produziu durante a década de 90, pois existem nítidas diferenças entre os projetos que disputaram o segundo turno das eleições presidenciais neste ano que se encerra. Felizmente faço parte do projeto que vem mudando para melhor a vida do povo brasileiro, do projeto que mais uma vez foi vitorioso nas urnas, como militante do Partido dos Trabalhadores e parlamentar.

Sim, também tenho muito orgulho de ser petista, de ser mais uma de uma multidão de lutadores e lutadoras do povo brasileiro, uma multidão que sonha e que, nas palavras de Pedro Tierra, organiza o sonho, pois sabe que a história não é fruto do acaso ou do destino, mas sim o resultado da ação de homens e mulheres comuns, dos filhos e filhas da margem. Sim, apesar da campanha ostensiva e criminosa protagonizada pela grande mídia contra o PT, tenho muito orgulho de erguer a bandeira vermelha com a estrela no centro, a bandeira de tantos que já não estão entre nós, mas que estarão sempre presentes em nossa memória, como Chico Mendes, Adão Pretto, Florestan Fernandes, Sérgio Buarque de Holanda, Gonzaguinha, Elis Regina, Mário Lago e Márcio Thomaz Bastos. Bandeira que a direita, avessa à democracia e à livre manifestação, tentou rasgar e incendiar durante as jornadas de junho de 2013, mas que a militância fez questão de manter erguida em homenagem aos que perderam suas vidas lutando contra o fascismo.

Sr. Presidente,

Vivenciei debates e momentos históricos nesta Casa, a começar pela criação e implementação do programa Fome Zero, que inseriu no horizonte do possível a utopia da erradicação da fome no Brasil. Como foi difícil vencer o preconceito e a herança cultural da Casa Grande para reduzir a fome e a pobreza extrema neste país. Recordo ainda com muita emoção da aprovação do FUNDEB, um projeto que tive a honra de relatar e que representa um marco sem precedentes no que diz respeito ao desenvolvimento e manutenção de todas as etapas da educação básica. E já que falei de educação, não poderia deixar de registrar a importância da superação do entulho político do passado neoliberal, como a anulação daquela lei tucana que condicionava a expansão da educação profissional e tecnológica ao orçamento dos estados e municípios, impedindo o acesso de milhares de jovens à educação pública. Vocês não sabem o quanto me emociono quando sou abraçada por jovens que hoje estão matriculados em uma das unidades do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do RN, espalhado pelas diversas regiões do estado; quando um pedreiro, uma cozinheira ou um agricultor familiar me aborda com os olhos brilhando e diz “muito obrigado”, reconhecendo o papel de nosso mandato para que seus filhos pudessem sonhar com melhores empregos e maiores salários. Nada disso seria possível com a política de Estado Mínimo adotada durante a década de 90. Mas as conquistas na área da educação foram além. O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) revolucionou a universidade pública brasileira, que finalmente vem sendo pintada de povo e de diversidade. A Lei de Cotas, por sua vez, foi outro passo decisivo para democratizar o acesso ao ensino superior, reconhecendo inclusive a opressão étnico-racial, ainda hoje mascarada na sociedade brasileira. A Lei do Piso Nacional do Magistério foi outra conquista extremamente importante, que abriu o caminho para futuras conquistas. A Lei dos Royalties, por sua vez, tornou possível a aprovação de um novo PNE com metas extremamente ousadas e exequíveis, como a vinculação de 10% do PIB à educação. Sim, o ex-presidente Lula e a presidenta Dilma nunca se distanciaram dos ideais do mestre Paulo Freire, pois nunca antes na história deste país a educação pública esteve no centro do projeto de desenvolvimento nacional como nos últimos 12 anos. Poderia ainda citar diversos avanços importantes na área da educação, como o SISU, o FIES e o PROUNI, mas me sinto provocada a adentrar em outras searas.

Sr. Presidente,

Sras. e Srs. Parlamentares,

Foi preciso eleger o primeiro operário presidente para inserir o Brasil na geopolítica global de forma soberana; para tornar nosso país independente do receituário neoliberal do Fundo Monetário Internacional para os países ditos subdesenvolvidos, responsável por torná-los eternamente dependentes do capitalismo euro-norte-americano; para elevar o Brasil ao patamar de potência econômica capaz de protagonizar alianças internacionais alternativas rumo à construção de um mundo multipolar; para fortalecer a aliança anti-imperialista na América Latina.   

Foi preciso eleger a primeira mulher e a primeira ex-guerrilheira presidenta do Brasil para reescrevermos com a tinta da verdade um momento sombrio da história de nosso país. A criação e constituição da Comissão da Verdade e a aprovação da Lei de Acesso à informação foram passos imprescindíveis, ainda que insuficientes, para empoderar a jovem democracia brasileira. O Congresso Nacional, num dos seus momentos de sobriedade e altivez, disse em alto e bom som: para que nunca se esqueça, para que nunca mais aconteça. O Congresso Nacional, conscientemente ou não, pressionado pelos movimentos sociais, reconheceu que em 1964 não houve revolução alguma, mas sim o início de uma ditadura militar que torturou e matou filhas e filhos da nação.

Foi por tudo isso e muito mais que o povo brasileiro, especialmente as juventudes, foi às ruas espontaneamente lutar pela reeleição da presidenta Dilma no segundo turno das eleições presidenciais. Foi por tudo isso e muito mais que o PT potiguar ousou enfrentar aquela que talvez tenha sido a maior tentativa de recomposição das oligarquias locais e eleger a primeira senadora de origem popular da história do Rio Grande do Norte, com o apoio decisivo de milhares de jovens e trabalhadores que hoje podem sonhar e transformar seus sonhos em realidade.

Aprendi muito quando dirigente sindical, deputada estadual e aqui nesta Casa, mas aprendi ainda mais nesta disputa que enfrentamos com humildade e ousadia, com serenidade e paixão, com fé e luta popular. Quem diria que aquela jovem da pequena cidade de Nova Palmeira seria eleita a primeira senadora do PT no estado do Rio Grande do Norte, mas aqui estou, simbolicamente me despedindo da Câmara para assumir um desafio que novamente parece ser o maior desafio da minha vida, mas que novamente pretendo enfrentar com os pés no chão e com as palavras de Bertold Brecht na memória: nada é impossível de mudar.

Se é verdade que temos muitos avanços e conquistas acumuladas durante os últimos 12 anos, também é verdade que poderíamos estar em outro patamar no que diz respeito à redução das desigualdades sociais e à qualidade de vida do povo brasileiro. Não podemos desprezar que um verdadeiro extermínio da juventude pobre e negra acontece em nosso país, que as conquistas sociais não foram suficientes para descontruir o fenômeno da violência, que a educação básica e a saúde pública carecem de uma verdadeira revolução, que as cidades brasileiras são verdadeiros manicômios onde internaremos uma população que muito em breve não será mais hegemonicamente jovem. Se é verdade que o povo brasileiro mais uma vez afirmou que não deseja retroceder ao passado, também é verdade que o mesmo povo vem demonstrando que é preciso avançar muito mais, e avançar muito mais não será possível se a política nacional continuar refém do poder econômico, se o Congresso Nacional não assumir o compromisso de enfrentar a pauta das reformas estruturais, a começar por uma reforma política democrática e popular, debatida e aprovada numa Constituinte Exclusiva e Soberana. A esquerda e a direita tem projetos antagônicos de poder, mas a depender da manutenção do atual sistema político nem a esquerda nem a direita serão vitoriosas, pois a derrotada será a própria política. Não poderia deixar de mencionar também a necessária reforma tributária, sem a qual a distribuição da riqueza nacional será estagnada. Não podemos negar a matemática, nós sabemos perfeitamente como eliminar o abismo entre a minoria rica e a maioria pobre, resta saber se o Congresso Nacional representará a maioria da população brasileira ou a minoria. Aprovar a Lei da Mídia Democrática é outro desafio imprescindível para o parlamento brasileiro. O que existe hoje é que é ditadura, o que existe hoje é que é censura. O que existirá amanhã deve e merece ser amplamente debatido, se preciso através dos instrumentos de consulta popular previstos na Constituição de 1988.

Sr. Presidente,

Existem duas outras reformas que o Congresso Nacional deve se envergonhar de não ter debatido profundamente e aprovado, que são exatamente as reformas agrária e urbana, aquelas reformas que lidam diretamente com a vida do povo no campo e na cidade, que lidam com acesso à terra para plantar e com a casa para morar, com o direito ao território e à mobilidade. Espero sinceramente que na próxima legislatura nós possamos modificar profundamente a estrutura fundiária do Brasil, bem como iniciar a reforma urbana através do aperfeiçoamento do programa Minha Casa Minha Vida, efetivando a função social da propriedade e transformando em realidade o passe livre estudantil.

Os desafios são imensos e exigem do parlamento muito mais protagonismo, compromisso e responsabilidade social. Poderia citar diversas outras tarefas igualmente importantes, como a reforma do judiciário e o aperfeiçoamento dos instrumentos de combate à corrupção, mas o tempo é curto e gostaria de reservar minhas últimas palavras para agradecer ao povo do Rio Grande do Norte, que mais uma vez se fez protagonista de um novo tempo, que generosamente me confiou mais um mandato, desta vez no Senado Federal. Agradecer a cada jovem que pela primeira vez ergueu a bandeira do PT e foi às ruas defender um outro mundo possível. Minha gratidão é indescritível, assim como é indescritível minha vontade de fazer valer a luta, de fazer valer o sonho.

Ao lado dos movimentos sociais, da bancada do PT, dos partidos aliados e da presidenta Dilma não medirei esforços para que possamos inaugurar um novo ciclo de avanços e conquistas, capaz de aprofundar a democracia brasileira e de pavimentar o caminho para uma nova nação, de um novo mundo, de uma nova humanidade. Amanhã será maior! Ninguém será capaz de deter a primavera.

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