terça-feira, 15 de abril de 2014

Arup Banerji "O bolsa família não gera dependência"

O diretor do Banco Mundial defende que os programas de transferência de renda são fundamentais para garantir uma alimentação adequada e, assim, um futuro às crianças

por Michel Alecrim


MEDIDA
Banerji diz que a Alemanha saiu bem da crise porque
adotou medidas de proteção ao trabalhador

O economista indiano Arup Banerji, 51 anos, construiu uma sólida carreira no Banco Mundial acompanhando as políticas de proteção social e de emprego em diferentes partes do mundo. Já atuou no Leste Europeu, no Oriente Médio e na África, experiências que resultaram em livros sobre questões econômicas desses lugares, entre outros trabalhos que publicou. Agora, como diretor global para Proteção Social e Trabalho da instituição sediada em Washington (EUA), onde mora, ele aposta no Bolsa Família como forma eficaz de combate à pobreza e como solução para as principais mazelas dos países em desenvolvimento. O programa, segundo ele, tem resultados cientificamente comprovados e acerta ao escolher as mulheres como gestoras do benefício dado pelo governo federal. Banerji veio ao Brasil para o seminário “Fórum de Aprendizagem Sul-Sul 2014”, no Rio de Janeiro, que reuniu representantes de 70 países, e falou com exclusividade à ISTOÉ.

"Pessoas pobres não se sentem parte de um país. São subjugadas.
O cartão estabelece uma relação legal e formal com o Estado"

"Uma boa nutrição é o mais importante para se prosperar. A maioria
dos neurônios é formada até os 2 anos. Crianças mal alimentadas
nessa fase não têm o mesmo desenvolvimento"

ISTOÉ - O programa Bolsa Família é eficiente no combate à pobreza?

ARUP BANERJI - Há muitos anos, o Banco Mundial vem avaliando o que funciona ou não nas políticas de transferência de renda. O Bolsa Família passou a ser uma experiência muito discutida por conta de alguns aspectos importantes. Em primeiro lugar, porque foi ambicioso na escala que tentou atingir. Muitos países que adotaram programas parecidos usaram um esquema de cima para baixo. O Estado apenas se preocupa em transferir dinheiro para os pobres. O Bolsa Família fez uma inversão, pensando primeiro na pessoa. E os bons resultados estão sendo comprovados através de pesquisas científicas. Não são apenas comentários.



ISTOÉ - Por que frisa a importância de dar atenção à pessoa?

ARUP BANERJI - Vou dar um exemplo. Se você digitar Bolsa Família no Google Imagens, a foto mais comum que vai aparecer é de uma pessoa  sorrindo e segurando o cartão do programa. Para muitas dessas pessoas esse cartão mostra que estão vinculadas ao Estado pela primeira vez. Pessoas pobres muitas vezes não se sentem parte de um país. São subjugadas, tratadas como se fossem de fora. O cartão estabelece uma relação legal e formal com o Estado. Equivale a dizer: ‘O País valoriza você e sua família e por isso estamos repassando esses recursos.’ A pessoa passa a ser cidadã de um país e, consequentemente, começa a valorizar a educação dos filhos, a criá-los bem nutridos, e os filhos, por outro lado, passam a cuidar mais de suas mães. Cria-se, assim, uma relação de mútua responsabilidade. Esse é um dos aspectos centrais do Bolsa Família. 


ISTOÉ - Uma das principais críticas a esse tipo de programa é a dependência que supostamente gera, e não autonomia. 

ARUP BANERJI - No caso do Brasil, eu não concordo com isso. Em outros lugares do mundo, talvez. O que significa a dependência econômica? Em poucas palavras, seria o seguinte: a pessoa que recebe ajuda chega à conclusão de que é melhor não fazer nada o dia inteiro e não procurar emprego porque o valor recebido compensa. O segredo do sucesso é que o pagamento não seja tão alto que leve a esse tipo de situação nem tão baixo que não dê nem para as famílias se alimentarem. É importante que o benefício não chegue a um salário mínimo. Estudos comprovam: depois de dez anos do Bolsa Família, não há dependência. 


ISTOÉ - Qual é, hoje, a extensão de programas de transferência de renda no mundo?


ARUP BANERJI - Programas de transferência de renda de todos os tipos já foram implementados em mais de 100 países em desenvolvimento. Mas como o brasileiro, com responsabilidades compartilhadas, estão em cerca de 50 países. O maior foco é na educação e na saúde. Além de manter as crianças na escola, devem vaciná-las e, em alguns casos, há necessidade de as mulheres grávidas passarem por exames.



ISTOÉ - Pode dar exemplos?



ARUP BANERJI - Um dos primeiros foi na Turquia e começou dois anos depois do Bolsa Família. Mas lá não foi um programa nacional. Foi voltado para o lado leste do país, que é mais religioso e conservador.  O problema, lá, é que as meninas não iam para a escola. E a condição era que não só os meninos, mas também as meninas fossem para a escola para o pagamento ser liberado. Resultado: em três anos, a taxa de meninas que frequentavam o ensino médio saltou de 38% para 50%. Na África, onde não há uma estrutura estatal como a brasileira, optou-se por um controle menos rígido porque não há quadros de funcionários para checar bem a presença na escola, nem como fazer pagamentos com cartão. Mas, para receber o auxílio, as mães precisam assistir a uma aula sobre a importância da educação e da nutrição. Acabou dando certo também. É o mesmo conceito e a mesma ideia, mas que se adaptam à realidade de cada país.


ISTOÉ - Mas por que países africanos, mesmo com dificuldades, obtiveram resultados e em Nova York a proposta não vingou?


ARUP BANERJI - Em Nova York, implantaram o programa Opportunity, que teve bons e maus resultados. O que realmente não deu certo foi justamente algo que diz respeito a um ponto-chave do Bolsa Família: enquanto no Brasil dão o dinheiro para a mulher, no Opportunity davam para as crianças. A mãe costuma gerir melhor os problemas da família que o pai. Uma criança pode estar fora da escola não só por questões financeiras, mas também por ser rebelde ou porque a escola fica muito longe. Em todas as situações é a mãe que tem que manejar isso dentro da família. Também temos que olhar para a qualidade das escolas. Algumas escolas de Nova York são muito violentas, com professores não tão bem qualificados e com um entorno também problemático, com muitas tentações. O programa, lá, ainda está fazendo análises, mas sabe-se que os números não são muito bons. Agora estão vendo o porquê. Com certeza, um dos motivos é terem dado o dinheiro para as crianças.


ISTOÉ - Os programas sociais teriam a ganhar se incluíssem metas de desempenho escolar?


ARUP BANERJI - O México fez essa mudança. O programa de lá começou focando apenas na matrícula escolar. O Progresa foi até anterior ao Bolsa Família. Mas logo concluíram que as famílias faziam a matrícula, mas nem sempre os alunos compareciam. Aí, a presença virou condição fundamental. A questão, agora, é se de fato estão aprendendo. O México é o primeiro país que está começando a pensar nisso. Há muitos desafios para se medir o aprendizado porque não é só verificar as notas. É preciso pensar em avaliações de aprendizado. É recomendável fazer isso, mas é preciso ter cuidado. A ideia é continuar fazendo o pagamento, mas dar um adicional se a criança for bem nos estudos. Toda sociedade precisa ter consciência de que não basta as crianças estarem na escola. Precisamos saber se estão aprendendo. Mas para isso é preciso exigir que as escolas sejam boas. Haja vista o exemplo de Nova York. É um processo casado e, por isso, tão desafiador.



ISTOÉ - Os gastos com os grandes eventos são um desperdício diante das carências nos setores da educação e da saúde?


ARUP BANERJI - Só poderia comentar isso com base num estudo sobre o retorno desses investimentos, e não é minha especialidade. 


ISTOÉ - A África do Sul, que sediou a Copa de 2010, continua com altas taxas de desemprego?


ARUP BANERJI - O desemprego na África do Sul já existia antes da Copa e continuou. As razões não têm a ver com a falta de investimentos, mas com questões históricas, por causa do apartheid. Por isso, tento separar esses eventos particulares, como Copa ou Rio + 20, que são curtos, e foco nas políticas de longo prazo. A própria África do Sul tem algumas políticas de combate ao desemprego que não mudaram por causa da Copa. O mesmo serve para o Brasil. O Bolsa Família não é tão duradouro que possamos saber o que resultou para as crianças depois de adultas, mas no México, que é o mais antigo, estamos encontrando os primeiros estudos. Há sinais de que os beneficiados estão encontrando empregos com mais facilidade e conseguindo salários melhores. 


ISTOÉ - É porque eles têm mais escolaridade?


ARUP BANERJI - Não só por isso. Uma boa nutrição é o mais importante para se prosperar. Descobertas científicas mostram que a maioria dos neurônios do cérebro é formada nos dois primeiros anos de vida. Crianças mal alimentadas nessa fase não têm o mesmo desenvolvimento neurológico. Quando uma criança pobre recebe comida, acaba tendo suas funções cerebrais equiparadas às outras. Por isso as políticas de longo prazo são importantes.


ISTOÉ - Programas sociais têm reflexos no combate à violência?


ARUP BANERJI - É possível dizer que essas transferências de recursos são importantes, mas não são suficientes para o combate à violência. O que esses programas fazem é dar esperança, cidadania, mostrar que a pessoa é importante para o Estado. Há um efeito psicológico, ou seja, eles agem na redução das frustrações. Isso pode reduzir a violência. No entanto, não podemos excluir os investimentos em policiamento, Justiça e no combate às drogas. Mas estudos mostram que programas sociais reduzem a  violência doméstica. Há redução das agressões contra as mulheres que recebem benefícios. Como elas recebem o dinheiro, ganham autoridade. Isso foi comprovado em muitos países, como a Índia, de onde eu venho.


ISTOÉ - Que país é um bom exemplo de proteção social?


ARUP BANERJI - A Alemanha, país europeu que reagiu melhor à crise. Saiu da recessão e lá o desemprego é baixo inclusive para os jovens. E o que fizeram depois da crise? Diferentemente de outros países que tomaram medidas que causaram demissões, a Alemanha adotou um sistema de work sharing (trabalho partilhado), que mantém o trabalhador empregado em meio expediente. A diferença é coberta pelo seguro-desemprego. É interessante que uma economia bastante liberal tenha adotado uma política, digamos, mais intervencionista por parte do Estado, e ainda com a colaboração dos sindicatos. É um exemplo fantástico.

ISTOÉ - Qual é a diferença entre países onde a previdência é controlada pelo Estado e outros onde a responsabilidade é dos trabalhadores?

ARUP BANERJI - O que o Banco Mundial aconselha é um sistema que mescle  diferentes fontes de recursos para se alcançar a soma que uma pessoa idosa precisa para sobreviver. Países como o Brasil, que têm uma massa muito grande de jovens, costumam recolher contribuições desse grande contingente para pagar de imediato as aposentadorias do pequeno percentual de idosos. Mas esse sistema não tem como durar. Logo haverá mais velhos que novos. Por isso, é preciso um sistema privado, em que os trabalhadores economizem para a velhice.


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